terça-feira, 16 de setembro de 2008

Carranca: o monstro amigo que padece




Por: Iury Parente Aragão 5º C -
O Rio São Francisco é cheio de lendas e belas histórias que cativam o imaginário popular. A cultura criada por se viver nas margens do Velho Chico é repleta de riquezas, como lendas e danças. A figura mais representativa dos ribeirinhos é a carranca, que hoje se encontra esquecida e sobrevive mais pela sua história do que como uma cultura praticada.
Não se sabe ao certo a origem das carrancas, apenas que eram esculturas localizadas na frente dos barcos que navegavam pelo São Francisco com o intuito de afugentarem os maus espíritos. Elas têm uma enorme cabeça, boca gigante e dentes brancos e compridos prontos para atacar. A mistura de monstro e homem é típica, porém há variações, como as que têm traços de animais, como cavalo, leão, coruja etc.
Não restam muitos artesãos de carrancas, pois a navegação praticamente não existe mais. Apenas alguns barcos de turismo e outros que fazem travessia navegam pelas águas do Velho Chico. Nas cidades de Petrolina e Juazeiro a carranca é visto como um dos símbolos locais, porém não é grande o valor real dado a elas. As pessoas as vêem como uma bela cultura local, mas poucos vão aos artesãos comprar. Não há procura pelas peças, assim, ser artesão de carranca não é mais uma atividade rentável.
O nome que sobrevive com todo louvor é o de Ana Leopoldina Santos, conhecida como Ana das Carrancas. Ela nasceu no município do Ouricuri, Pernambuco, e aprendeu a moldar o barro com sua mãe, que era louceira. Após enviuvar, Ana casou com o piauiense José Vicente de Barros. Ela partiu para Petrolina para tentar arranjar uma forma de sustento. Quando chegou à cidade pernambucana, esta passava por uma crise de barro, obrigando as louceiras a procurar outra forma de sustento. Ana das Carrancas encontrou barro na beira do rio São Francisco e lá, como forma de agradecimento, modelou no barro um velho, uma criança e um barco com uma carranca na proa. A partir de então passou a fazer carrancas como forma de sustento. Suas esculturas sofreram algumas modificações com o passar do tempo, porém nenhuma tão significativa quanto ao furo nos olhos, isto como um tributo à cegueira do seu marido.
As carrancas ainda sobrevivem pela insistência dos artesãos e por outros poucos que tentam mantê-las viva. Porém o surgimento e o desaparecimento das culturas ocorrem. Quando a população não mais vê nela algo fundamental à sua vida, acaba acontecendo o divórcio entre a cultura e a população. Carlos Medeiros de Souza e Fernanda Manhães, no artigo “Reflexões sobre a Folkcomunicação, o Ciberespaço e o contexto escolar”, afirmam que “nenhuma sociedade fica estática diante do tempo, os indivíduos não aceitam passivamente perpetuar uma cultura. Eles tornam-se agentes de mutação constante e, de acordo com seus projetos e interesses, modificam e reinventam os conceitos herdados, de modo que toda estrutura social só pode manter-se ou transformar-se através de interações de pessoas singulares”.
As carrancas sobreviverão enquanto elas forem úteis à população. No dia em que não mais existir um elo significativo entre as carrancas e as pessoas, a tendência é ela ser substituída por outra cultura que seja considerada útil. A esperança existe para a sua permanência na realidade cultural, pois existem pessoas que lutam pela sobrevivência do monstro amigo do homem, que expulsava os espíritos para que a navegação seguisse em paz. As carrancas foram companheiras para espantar os espíritos inimigos, agora ela torce que sejamos amigos para espantar o seu maior inimigo: o esquecimento.

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