sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Teresina dos muros às telas: as pichações e o graffiti na cidade

Teresina vive atualmente uma fase em que vemos o acesso a arte e cultura se popularizar entre as mais diversas parcelas da cidade. Da badalada zona leste aos residenciais mal estruturados nos extremos sul e norte da cidade, os movimentos sociais e as iniciativas culturais de cidadãos comuns tem agido, através da troca de vivências e conhecimentos, na conquista de um objetivo comum: a inclusão social.

Nesse aspecto, grupos como a casa de Hip Hop no Parque Piauí, o projeto MP3 no bairro são Pedro, o Galpão de Marcello Evelin no Grande Dirceu, as escolinhas de futebol nos campos improvisados da periferia, entre incontáveis outras iniciativas parecidas que se proliferam pela capital, mostram quão importante tem sido o cidadão empreender socialmente, aquém do incentivo do governo, para (trans)formar uma sociedade que é carente de incentivo cultural, e humano.

De todas as manifestações culturais que se espalham pela cidade, talvez a que mais esteja ganhando visibilidade atualmente entre o Teresinense seja o graffiti. Tanto pelo aumento dos adeptos ao spray quanto pela localização das telas desses artistas: o espaço urbano ao nosso redor. É possível contemplar as mensagens por todos os lados, seja em ruelas ou nas principais vias da cidade, e elas, inclusive, já estão chegando às galerias de arte. Mas, assim como há quem não consiga sequer diferenciar o que é pichação ou graffiti, também existem os que não consideram isso arte, mas sim um crime.

Lysmark Lial e Panzer são dois dos nomes conhecidos por estamparem a cidade

Em Teresina a arte dos sprays é antiga. John Wedson, 29 anos, Mestrando em Antropologia pela Universidade Federal do Piauí - UFPI, que estuda as pichações/charpi e identidades juvenis, conta que a pichação surgiu em Teresina na década de 80, quando os jovens das ocupações nas proximidades do Centro riscavam frases de desabafo nos prédios da cidade. “Não era a toa que o grupo agia com essas frases de conteúdo sociocultural inscritas nos muros naquela época, eles buscavam alternativas de se expressar sobre o que estava acontecendo na cidade, como por exemplo, as lutas e conflitos por moradia”, conta o pesquisador. 

O surgimento da pichação na capital seguiu o mesmo caminho do movimento no Brasil, foi uma forma encontrada para questionar as desigualdades sociais que o sistema impunha. Mas, aqui a pichação logo tomou outra forma: o charpi. No início dos anos 90, alguns pichadores de Teresina que viajavam com frequência a Fortaleza buscavam novos alfabetos estilizados para incrementar o que era feito aqui. Foi aí que as inscrições se tornaram signos ininteligíveis, mensagens de um grupo para outros grupos de praticantes do charpi, como explica o pesquisador.

Confira abaixo um trecho da entrevista concedida pelo pesquisador à Agecom, entenda como surgiu o movimento do charpi:

Após quase duas décadas de domínio no concreto de Teresina, o charpi começou a sumir devido a perda de adeptos, foi então que o graffiti e as pichações de cunho poético ganharam terreno - isso no final dos anos 2000. Hudson Melo, 28 anos, artista admirado pelas telas que unem inspirações africanas a traços das xilogravuras e do cubismo, conta que, mesmo com o preconceito quase inerente ao pixo, entrou nesse mundo buscando uma nova possibilidade de arte. “Muita gente vê pelo lado do modismo, outros entendem que tem seu valor real. O graffiti tem o perigo na essência, mas sobre os que entendem isso como arte marginal, eu não me importo. É uma arte que nasceu na miséria, e ao longo do tempo se tornou um grande ponto de discussão na arte contemporânea. Isso pra mim tem muita importância”, relata Hudson. 

Acompanhe o processo de criação de Hudson Melo, nesse vídeo de Josh Bode Preto e Ricardo Ubdula 

Independente do meio em que os graffitis, as pichações e os charpis estão inscritos, o que vale mesmo é discutir a prática e sua importância nas diversas esferas da nossa sociedade. O publicitário Victor Gabriel, 24 anos, sabe bem disso. Não faz muito tempo que o Rotiv (codinome adotado por ele) circula no meio, porém, o jovem vem exercendo papel notável na valorização e popularização da cultura do graffiti e pixo na cidade. “Fiz meu tcc baseado no graffiti como forma de comunicação, passei um semestre coletando fotos de graffitis espalhados por Teresina, quando terminei minha monografia tinha um material muito bom, então resolvi criar um perfil no Instagram (@grafipi) para divulgar esses trabalhos. Hoje a página conta com mais de 3.700 seguidores; o ponto mais positivo são os comentários que geram discussões, conversas e esclarecem muitas dúvidas”, ressalta.

Afinal, o que diz a lei?

A Constituição federal inicialmente punha as pichações e o graffiti em igual patamar. A Lei dos Crimes Ambientais (Lei N.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998) é que responsabiliza legalmente os que depredam de alguma forma as edificações públicas ou privadas no país. Segundo o dispositivo, em sua originalidade, aquele que pichasse, grafitasse ou de alguma forma deteriorasse uma edificação ou monumento poderia ser punido com multa e detenção, que variava de três meses a um ano. A pena acima, nessa forma, seria aplicada quando os danos fossem causados em bens públicos ou privados. Já nos casos dos monumentos e bens tombados em virtude de valor histórico, arqueológico ou artístico a pena mínima seria agravada para sei meses.

Mas, com a Lei 12.408/11 a Lei dos Crimes Ambientais sofreu mudanças no que diz respeito aos crimes contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural.  A mudança trouxe a descriminalização do graffiti, com a premissa da valorização estética e cultural atribuída à expressão artística urbana: “não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística(...)”.

De toda forma, o graffiti ainda está sujeito a algumas condições. O ato de grafitar, com intenções valorativas positivas ou não, e independentemente à sua estética, necessita do consentimento do proprietário do bem ou do órgão público responsável. Caso contrário caracteriza-se um crime. E a pichação continua criminalizada, pois a lei entende que nem as premissas da liberdade de expressão justificam as frases e letras desconexas, visto que as mensagens em sua maioria sequer podem ser decifradas e apreciadas pela população.

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